CIDADANIA:
Resolvi que iria exercer meu direito e obter a cidadania italiana. Para isso, precisei reunir documentos, reavivar histórias, viajar pelo mundo. Preciso registrar como é interessante – para quem pesquisa – descobrir a origem da família. Quando pequeno, ouvia minha avó materna dizer que meus antepassados eram italianos. Nada além disso, até porque ela sempre dizia que quem sabia da história toda era o tal Tio Omero.... Vai saber quem era o Tio Omero. Ele morreu e eu, infelizmente, não consegui saber (por ele) a tal história. Meu avô faleceu em 1987 e, desde então, o contato com os demais parentes sempre foi muito escasso. Os meus tios-avôs residem(iam) em outras cidades e, lá de vez em quando faziam alguma visita de cortesia. Acredito eu que, assim como meu avô, muitos deles morreram sem saber ao certo a história dos Bertolazzi. Sim, eis a primeira descoberta: meu sobrenome está grafado errado, pois o correto é Bertolazzi, com dois Z´s. Sem dúvidas, o equívoco – nada incomum para a época – se deve a alguma falha de comunicação ocorrida em algum registro. Encontrei tantas variações nas certidões que cheguei a perder o sono quando pensei que Bertolazzi um dia pudesse virar SILVA. Brincadeiras a parte, vamos às descobertas. Após 10 meses em Londres, em 2004, tive a oportunidade de realizar um verdadeiro mochilão pela Europa. Em 45 dias de viagem percorri 19 países do velho continente. Correria de adolescente, é claro, mas divertidíssimo. Quando chegamos na Itália, meus companheiros de viagem decidiram que queriam visitar Pádova, pois lá seria a cidade dos ancestrais deles. Para evitar injustiças, liguei para casa e pedi para a minha mãe entrar em contato com um tio-avô para saber onde era a cidade dos meus ancestrais (que novela mexicana, hein!). CREMONA, disse o querido Tio Nelson. Era a informação que ele tinha. A distância entre Pádova e Cremona é inferior a 200km, o que – de trem – era uma barbada. A história seria muito mais engraçada se não fossem os percalços que foram ocorrendo justamente nos dias em que estávamos na Itália. Obviamente que os mochileiros de primeira viagem tiveram problemas com o cartão de crédito. Por motivos que não recordo (e às vezes é melhor nem lembrar), ninguém da nossa turma conseguia sacar alguma grana com o cartão. A nossa sorte era que havíamos comprado um super ticket de trem e, então, poderíamos – ainda que sem dinheiro – viajar por toda a Europa. Saímos de Roma no dia 27/10, às 23h15, no trem 824. 534km de distância. Chegamos em Cremona no dia 28/10 de 2004, às 6h da manhã. A título de curiosidade, Cremona – além de famosa cidade universitária - é conhecida – entre os italianos – como a cidade dos 3 T (TTT): torrone, terrazzo e tettone (torrone, a torre da igreja e as grandes tetas das italianas, hehehe). Esperamos abrir o Cartório de Registro das Pessoas Naturais para – de cara – pesquisarmos a documentação dos meus antepassados. Como meu italiano é pífio, aprendi uma frase fatídica para dar início à conversa: Buon Giorno. Io sono brasiliano. Io voglio il ato di nascitá di..... (Bom Dia! Eu sou Brasileiro. Eu procuro pela certidão de nascimento de...) E assim começou a história toda. É importante deixar registrado que os atendentes do Cartório de Cremona foram sensacionais. Procuraram em todos os livros e, infelizmente não encontraram. Incansáveis no auxílio, me forneceram um MAPA da cidade, onde rabiscaram o trajeto até o ARQUIVO DO ESTADO. Segundo consta, toda e qualquer informação histórica relacionada a registros da região devem estar por lá. (Só para constar: a gentileza e a cordialidade são características típicas de cidades do interior, pois em grandes centros como ROMA e MILÃO, a grosseria é tanta que é melhor nem comentar...). Caminhamos até o Arquivo de Estado: um prédio antigo, enorme, aparentando ser uma antiga universidade. Ao entrar, repeti a mesma frase: Buon Giorno... meus amigos estavam cansados e resolveram ficar esperando no sofá existente na sala de espera. Dormiram por lá. Fui atendido por uma gentil Senhora. Ao informar o assunto, fui de imediato conduzido até uma enorme sala que parecia uma biblioteca. Várias mesas espalhadas e algumas pessoas pesquisando em livros. Sentei em uma cadeira próximo a uma grande mesa. 15 minutos depois, volta a Senhora que me atendeu empurrando um carrinho com aproximadamente 15 enormes livros: todos os registros de nascimento/casamento e óbito do período que informei a ela. A Senhora olhou seriamente para mim e disse: PROCURE. Não perdi tempo: sentei e comecei a olhar, atentamente, folha a folha daqueles livros. Depois de algumas horas, (acho que por pena) alguns atendentes e um Senhor – provavelmente – um pesquisador do local, começaram a me auxilar. Bertolazzi, Bertolazzi. Ninguém achou nada. 4H de incansáveis buscas e nenhum único registro do sobrenome Bertolazzi. Eu ainda estava no último livro quando o pessoal começou a divagar e a arriscar palpites sobre a região onde eu poderia encontrar algum Bertolazzi. Como eu ainda estava no último livro, perguntei-lhes se poderia terminar de vê-lo. Acredite quem quiser, mas nas últimas páginas, do último livro, eis que encontro o registro de um BERTOLAZZI. Tratava-se de Giuseppe Bertolazzi. Olhei para a Senhora e disse: BERTOLAZZI!!! Arranhei um italiano e, preocupado, afirmei que o nome da MULHER não era o mesmo que eu havia informado. Eu havia dito Elizabetta Bechi e lá constava Lucia Orsi. A sábia senhora pegou o livro e, emocionada, disse: quem dá o sobrenome é o pai!!! Espere! Saiu porta a fora com o livro e, 10min depois voltou dizendo (em italiano, é claro): brasileiro, tu não sabe NADA da tua história: Giuseppe Bertolazzi, filho de Antonio Giovanni Bertolazzi e Elizabetta Bechi, era casado com Lucia Orsi (filha de Pietro Orsi e Maddalena Maretti). Ele veio ao Brasil em 17/10/1889, com o Stato Famiglia 257 e 757 e Passaporte 301 e 501,acompanhado de sua mãe (Elizabetta) e de seus dois filhos: Vigílio e Vigilia. Não há registros sobre o paradeiro de Lucia Orsi. Não sabemos mais nada sobre ela. Em seguida, a Senhora me disse: "Brasiliano, aqui é apenas o Arquivo do Estado, não temos atribuição para expedir certidões. Você precisa ir até a Comuna de San Daniele Pó (16km de Cremona) para solicitar as respectivas certidões". Como havíamos sido assaltados no trem enquanto fazíamos o percurso Viena (Áustria) à Praga (República Tcheca), eu não possuía mais meu telefone celular e, portanto, não tinha como ligar para o Cartório de San Daniele para falar com a Oficial. De pronto, a Senhora que me atendeu pegou o celular dela (particular) e ligou para o Cartório. Expôs a situação toda e solicitou as certidões. A Oficial respondeu que apenas no dia seguinte eu iria conseguir os aludidos documentos. Diante de tanto auxílio, comprei um Livro do Paulo Coelho (blergh!) em italiano e escrevi uma dedicatória de agradecimento à Senhora. Ao entregar, vi uma lágrima escorrer e a seguinte afirmação: "em 30 anos de serviço, ninguém nunca me deu nada pelo meu trabalho. E nem precisava, pois é a minha obrigação e faço isso com prazer!" Voltando ao assunto: Observe que dia 28 era uma quinta-feira e se eu não voltasse no dia seguinte, teria de esperar até segunda-feira, o que atrasaria toda a nossa viagem (com o que meus amigos não iriam concordar). Com as informações na mão, meus amigos decidiram que era hora de conhecer Pádova. E assim o fizemos. Chegamos em Pádova, fomos a um albergue, tomamos um banho (ufa!), comemos alguma coisa e fomos dormir. No dia seguinte, (dia 29.10, sexta-feira), acordei cedo e avisei aos meus amigos que eu estava decidido a voltar a Cremona e ir até a tal Comuna de San Daniele Pó enquanto eles conheciam a cidade. No caminho para a estação, passei em um caixa eletrônico e, para minha surpresa, ainda não conseguia efetuar saques. Eu tinha 10 Euros no bolso e, com toda essa fortuna, precisava voltar à Cremona, pegar um ônibus à San Daniele Pó, voltar, comer e, principalmente, pagar as taxas das certidões. Chegando na estação, fui informado pela atendente que o trem a que meu passe fazia jus viria somente às 11h e que se eu quisesse pegar outro trem teria de pagar uma pequena diferença. Não esperei duas vezes. Às 9h48 peguei o trem 2283 em Pádova com destino à Cremona. Chegando lá, fui diretamente ao local onde eu deveria pegar o ônibus até San Daniele. Tratava-se de um ônibus lotado de estudantes do ensino médio. Paguei 3 euros pelo trajeto. Nunca rezei tanto na minha vida: a Oficial teria que aceitar cartão de crédito para o pagamento das certidões, pois eu não tinha alternativa. San Daniele Pó é um pequeno vilarejo nas cercanias de Cremona: a rua principal asfaltada, com uma igreja, cemitério, bar e o Cartório. Algumas casas ao redor. Desci do ônibus e caminhei até à Serventia. Fiquei assustado: era 16h30min e um aviso colado na porta dizia que o cartório funcionava somente até as 16h. Decepção total. Todavia, como um bom brasileiro, resolvi bater à porta. E as minhas preces foram ouvidas. A Oficial, uma Senhora beirando os 70 anos, abriu a porta e me convidou para entrar. Repeti aquela famosa frase...mal pude terminar quando fui interrompido pela Oficial: io lo so! Está pronto! Eis que a gentil Senhora já havia deixado prontas as certidões. Pediu que eu olhasse e se eu queria que ela acrescentasse alguma coisa. (Foi aí que eu pedi que acrescentasse o nome dos avós na certidão de casamento de Giuseppe). Tremendo de alegria, tive a coragem de perguntar o preço, ao que a Senhora responde: NIENTE! Brasiliano! NIENTE. Nunca um NADA soou tão bom nos meus ouvidos. Quando a gente realmente quer alguma coisa, o Universo conspira em nosso favor. Peguei as certidões (e a Senhora ainda me forneceu um envelope para guardá-las), e voltei para a parada de ônibus. Com 4 euros no bolso, gastei outros 3 para voltar a Cremona e ainda sobrou 1 Euro para comprar um iogurte no mercado. Enfim, toda essa história serviu para descobrir que o Vigilio, nascido em 21.08.1880, em San Daniele Po (a 16km de Cremona, na Lombardia, Itália), é pai do Conceição, que é pai do José, que é pai da Maria Cristina que é minha mãe. Como a minha mãe nasceu após 1948, de acordo com as leis italianas, faço jus à cidadania daquele país.